sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Resenha Crítica:A JANELA DE VIDRO: ESPORTE, TELEVISÃO E EDUCAÇÃO FÍSICA - Mauro Betti,1997




Resenha Crítica da Tese de Doutorado:

A JANELA DE VIDRO: ESPORTE, TELEVISÃO E EDUCAÇÃO FÍSICA
Mauro Betti,1997

A relação entre Televisão, Educação Física e Esporte tornou-se objeto de estudo a partir das últimas décadas do século XX e dessa forma trouxe juntos com algumas respostas, uma infinidade de indagações sobre os impactos positivos e negativos da associação entre a mídia, sobretudo a Televisão, nas percepções sobre o papel da Educação Física.
A Televisão criada em 1936 e produzida em larga depois da Segunda Grande Guerra modificou a audiência do esporte em todo mundo e forçou-o a um  papel de dependência da espetacularização. No inicio instaurou-se certa rivalidade entre a Televisão e os dirigentes esportivos, no entanto passaram a apoiar-se e dependerem um do outro, especialmente no plano econômico. Essa parceria passou a se definir de modo que a Televisão passou a injetar dinheiro no sistema esportivo por meio dos patrocinadores.
Com a intenção de promover espetáculos criou-se espectadores ‘desprovidos de qualquer competência prática e atentos a aspectos extrínsecos da prática, como o resultado, a vitória’. Isto leva a conseqüências no campo dos profissionais, pois as recompensas que advém do público favorecem a busca da vitória a qualquer preço, levando, dentre outras coisas, ao aumento da violência. Nesse movimento entre a mídia e o universo esportivo a civilização moderna promove uma desnaturação do corpo que, no caso da cultura física, é agravada pela mitologia do esporte e o culto do herói olímpico, organizado com a colaboração da mídia. Assim, consequentemente cria-se uma perspectiva equivocada do papel da Educação Física escolar, onde se referencia a esta área do conhecimento como sendo uma viabilização  para a conquista de um corpo idealizado, e não para o próprio corpo; o "esportista" é um apaixonado que se contenta em participar pela pessoa interposta de seus ídolos; e a transmissão das atividades esportivas não tem relação com a prática real da cultura física.
Ao propor uma nova associação entre a imagem e a linguagem, a televisão molda também novas maneiras de percepção. Para a televisão, importa tanto a forma de mostrar o esporte, como seu conteúdo. Uma conseqüência imediata é a fragmentação e a distorção do fenômeno esportivo, pois a televisão seleciona imagens esportivas, e as interpreta para nós, propõe um certo "modelo" do que é "esporte" e "ser esportista". Mas, sobretudo, fornece ao telespectador a ilusão de estar em contato perceptivo direto com a realidade, "como se estivesse olhando através de uma janela de vidro".
No que diz respeito à relação entre a relação da Televisão e Educação – educação aqui tendo um sentido mais abrangente, além da Educação Física – temos posicionamentos em torno da televisão como componente da "cultura de massa", ou "indústria cultural". E na linha de frente situam-se os que lhe atribuem uma função conservadora e alienante, tendo em vista que contribui para a dominação das massas, dirigindo e cerceando a consciência das pessoas, e para a reprodução da cultura como mercadoria no processo capitalista. A explicação para tal encontra-se no modo como fabrica seu produto, e não no seu conteúdo. Por outro lado, há apontamentos no sentido de que a televisão detém potencial para propiciar uma ampliação do mundo para o espectador, que não seria totalmente passivo no processo, e de que o problema não está no meio em si, mas na estrutura industrial que o rege.
Como sendo principal veículo de comunicação a atingir as classes mais populares, a Televisão representa a ferramenta mais efetiva da “cultura de massa” ou  ”industria cultural” revela-se dentre outras análises e referencias que, ‘a televisão teria, então, a capacidade de tornar-se instrumento eficaz para a conservação da ordem estabelecida, mediante a re-proposição contínua daquelas opiniões e gostos médios que a classe dominante julga mais apropriadas para manter o status quo. Numa sociedade em que a autonomia individual e a multiplicidade das opiniões são admitidas, mas na qual, por exigências econômicas, realiza-se um direcionamento "oculto" da opinião, a indústria cultural adota os meios da persuasão comercial, "mas ao invés de dar ao público o que ele quer, sugere-lhe o que deve querer ou deve acreditar que quer’.
Para Babin e Kouloumdjian, a observação do comportamento e da linguagem das novas gerações atestam o surgimento de uma cultura audiovisual, defendendo que se deve, em virtude dessa nova realidade, criar uma educação audiovisual. As novas gerações nasceram neste novo meio. A cultura audiovisual é "intrinsecamente repleta de afetividade, de raciocínios analógicos e de assaltos do inconsciente". Não se pode nela penetrar pela análise lógica, nem rejeitá-la preconceituosamente, sob pena de aumentar a distância e a falta de comunicação com os jovens. Os adultos e os professores devem compreendê-la pela experiência da imersão e da exposição às novas linguagens audiovisuais.
Descritos, superficialmente nesta síntese, um breve contexto histórico e algumas perspectivas sobre a relação íntima entre Televisão e Educação e Televisão e Esporte, caminhar no sentido de aproximar-mos das considerações finais, se faz extremamente necessário. Considerando com enorme pesar que, por motivos didáticos, aprofundamentos riquíssimos não poderão ser pontuados devido a natureza desse texto. Dito isso, prosseguimos com o autor: “Posso seguramente, além disso, antecipar que a nossa interpretação do esporte na televisão não será definitiva nem única, mas a melhor possível, à luz do que sabemos. É o que Ricoeur nos ensinou”.
Exemplos do tipo de linguagem usada na Televisão em programas esportivos e análise:
Dinheiro e violência são outras temáticas recorrentes. “Fulano” foi vendido por cinco milhões de reais, o lutador de boxe irá faturar 50 milhões de dólares em uma só luta, a renda da partida foi recorde, 105 mil "verdinhas" são as "estrelas do espetáculo" na competição de surf, a seleção vencedora da Liga Mundial de Vôlei recebeu um milhão de dólares, a lista dos atletas mais bem pagos do ano - 60 milhões de dólares, 33 milhões de dólares... Faltas violentas no futebol, briga de torcidas ou agressões ao árbitro em qualquer esporte são notícias obrigatórias.
A falação também introduz a linguagem tecnológica e científica ao grande público: o salto com vara é "a transferência da energia cinética acumulada na vara"; o "teste do lactato sangüíneo" serve "para medir o limiar anaeróbico" - novas palavras na terminologia do futebol.
Notícias sobre o desempenho de atletas e seleções brasileiras têm também grande destaque. Contudo, conteúdos como o nacionalismo, ou o racismo, aparecem subordinados às funções de criar expectativa, polêmica e rivalidade, e não como conteúdos que tenham valor por si próprios. Ao referir-se à "tradicional rivalidade sul-americana", quando jogam Brasil e Argentina, o objetivo não é, apenas, despertar o nacionalismo, mas criar a expectativa de uma partida emocionante. Num programa esportivo, o jornalista, entrevistando um jogador negro, levantou a hipótese de que seu time foi campeão devido à presença de muitos negros na equipe, o que, retrospectivamente, teria sido fator de vitórias na história do clube. O racismo, é claro, entra como conteúdo, mas a principal função é criar polêmica, instigar o debate, prender a atenção do telespectador.
A falação expõe discursos de duplo padrão moral. No jogo da seleção, o centroavante brasileiro fez um gol com auxílio do braço, e o locutor agradeceu ao árbitro peruano: "Muchas gracias [nome do árbitro]! Gracias hermano!" O jogador declarou em entrevista ao telejornal do horário nobre: "o artilheiro tem que fazer gol de qualquer jeito, não importa". É a mesma falação que condena a violência, o doping, o suborno...
Já que em nossa sociedade o grau de controle sobre as conexões naturais extra-humanas é muito maior que o das conexões sociais inter-humanas, as ciências naturais desenvolveram-se mais e com maior velocidade que as ciências sociais. Uma conseqüência desse fenômeno é que, quanto menos sujeita ao controle humano está uma esfera concreta de acontecimentos, tanto mais emocional e carregada de fantasias tende a ser a idéia que dela temos, o que nos torna menos capazes de construir modelos das conexões mais adequadas ao objeto e, portanto, de controlá-la. Assim, a aceleração do tempo das mudanças tecnológica e social aumentou as incertezas e os temores das pessoas.
A televisão e o esporte são terrenos perigosos e incertos para a educação. Por que deveriam merecer a atenção da Educação Física? De Novaski a Flusser, de Morais a Eco, de Elias a Babin e Kouloumdjian, encontramos a mesma conclusão: o educador deve "ousar riscos", deve "apostar" e ter esperanças...
 O educador precisa, pois estar atento à contemporaneidade, com o que ela comporta de anseios, determinações e possibilidades, e a ela deve responder com uma filosofia, o que significa também viver uma filosofia, engajála no cotidiano, fazê-la presente na história. Deve perscrutar as origens dos sentidos iniciais que atribui às coisas - há as ideologias, há o inconsciente - e entregar-se à paixão pelo possível - os projetos - que são uma instância dos sentidos que estão por vir: "pois pelo menos uma parte do real é a realização de possibilidades antecipadas pelo projeto e pela decisão humana".



Mauro Betti

Possui graduação em Licenciatura e Mestrado em Educação Física pela USP, Doutorado em Educação pela UNICAMP, Livre-Docência pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Pós-Doutorado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Adjunto aposentado do Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências da UNESP, campus de Bauru, e docente no Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP de Presidente Prudente. Atua na área de Educação Física, nos seguintes temas: Educação Física escolar,concepções teórico-metodológicas no ensino da Educação Física, inovação curricular, mídias, saberes da Educação Física, experiências formativo-educacionais no esporte e metodologia das pesquisas qualitativas. É autor dos livros: "Educação Física e Sociedade", "A Janela de Vidro: esporte, televisão e educação física", e "Educação Física Escolar: ensino e pesquisa-ação", além de inúmeros capítulos de livros e artigos em periódicos especializados. Foi assessor dos PCNs (5a a 8a séries do Ensino Fundamental),e da Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a disciplina Educação Física, e do Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano do PNUD/ONU. Entre 1980 e 1985 foi professor de ensino de 1o grau da Prefeitura de São Paulo.  



6 comentários:

  1. Boa apresentação,mostrando domínio sobre o assunto! Entre as questões discutidas,a discriminação sofrida pela Educação Física em relação à sua grade,já que muitos acreditam que a educação física é somente esporte. Thiago deixou claro a importância de trabalhar esporte x jogos cooperativos e lúdicos.

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  2. Como você enxerga a supervalorização do tema esporte pela midia ? Seria de carácter possitivo para educação física ter essa supervalorização ou negativa ? Pelo fator de limitar o pensamento popular que a educação física é esporte.

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  3. Confesso que foi o livro que mais me chamou atenção, muito bem abordado pelo aluno Thiago. Um ponto a se destacar é a participação da mídia nos esportes atualmente, tanto é que a partir de 2019 a emissora detentora dos direitos do campeonato brasileiro (Globo) proibirá os clubes a fazerem suas próprias filmagens, acabando com os bastidores dos clubes no Youtube.

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  4. O aluno apresentou o conteúdo da obra de forma clara e objetiva, demostrando domínio e entendimento sobre o assunto. Através de sua apresentação foi possível identificarmos a influência da mídia nos esportes, muitas das vezes de forma negativa.

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