Resenha Crítica da Tese de Doutorado:
A JANELA DE VIDRO: ESPORTE, TELEVISÃO E EDUCAÇÃO FÍSICA
Mauro Betti,1997
A relação entre Televisão, Educação Física e Esporte
tornou-se objeto de estudo a partir das últimas décadas do século XX e dessa
forma trouxe juntos com algumas respostas, uma infinidade de indagações sobre
os impactos positivos e negativos da associação entre a mídia, sobretudo a
Televisão, nas percepções sobre o papel da Educação Física.
A Televisão criada em 1936 e produzida em larga depois
da Segunda Grande Guerra modificou a audiência do esporte em todo mundo e
forçou-o a um papel de dependência da
espetacularização. No inicio instaurou-se certa rivalidade entre a Televisão e
os dirigentes esportivos, no entanto passaram a apoiar-se e dependerem um do
outro, especialmente no plano econômico. Essa parceria passou a se definir de
modo que a Televisão passou a injetar dinheiro no sistema esportivo por meio
dos patrocinadores.
Com a intenção de promover espetáculos criou-se
espectadores ‘desprovidos de qualquer competência prática e atentos a aspectos
extrínsecos da prática, como o resultado, a vitória’. Isto leva a conseqüências
no campo dos profissionais, pois as recompensas que advém do público favorecem
a busca da vitória a qualquer preço, levando, dentre outras coisas, ao aumento
da violência. Nesse movimento entre a mídia e o universo esportivo a
civilização moderna promove uma desnaturação do corpo que, no caso da cultura
física, é agravada pela mitologia do esporte e o culto do herói olímpico,
organizado com a colaboração da mídia. Assim, consequentemente cria-se uma
perspectiva equivocada do papel da Educação Física escolar, onde se referencia
a esta área do conhecimento como sendo uma viabilização para a conquista de um corpo idealizado, e
não para o próprio corpo; o "esportista" é um apaixonado que se
contenta em participar pela pessoa interposta de seus ídolos; e a transmissão
das atividades esportivas não tem relação com a prática real da cultura física.
Ao propor uma nova associação entre a imagem e a
linguagem, a televisão molda também novas maneiras de percepção. Para a
televisão, importa tanto a forma de mostrar o esporte, como seu conteúdo. Uma
conseqüência imediata é a fragmentação e a distorção do fenômeno esportivo,
pois a televisão seleciona imagens esportivas, e as interpreta para nós, propõe
um certo "modelo" do que é "esporte" e "ser
esportista". Mas, sobretudo, fornece ao telespectador a ilusão de estar em
contato perceptivo direto com a realidade, "como se estivesse olhando através de uma janela de vidro".
No que diz respeito à relação entre a relação da
Televisão e Educação – educação aqui tendo um sentido mais abrangente, além da
Educação Física – temos posicionamentos em torno da televisão como componente
da "cultura de massa", ou "indústria cultural". E na linha
de frente situam-se os que lhe atribuem uma função conservadora e alienante,
tendo em vista que contribui para a dominação das massas, dirigindo e cerceando
a consciência das pessoas, e para a reprodução da cultura como mercadoria no
processo capitalista. A explicação para tal encontra-se no modo como fabrica
seu produto, e não no seu conteúdo. Por outro lado, há apontamentos no sentido
de que a televisão detém potencial para propiciar uma ampliação do mundo para o
espectador, que não seria totalmente passivo no processo, e de que o problema
não está no meio em si, mas na estrutura industrial que o rege.
Como sendo principal veículo de comunicação a atingir as
classes mais populares, a Televisão representa a ferramenta mais efetiva da
“cultura de massa” ou ”industria
cultural” revela-se dentre outras análises e referencias que, ‘a televisão
teria, então, a capacidade de tornar-se instrumento eficaz para a conservação
da ordem estabelecida, mediante a re-proposição contínua daquelas opiniões e
gostos médios que a classe dominante julga mais apropriadas para manter o
status quo. Numa sociedade em que a autonomia individual e a multiplicidade das
opiniões são admitidas, mas na qual, por exigências econômicas, realiza-se um
direcionamento "oculto" da opinião, a indústria cultural adota os
meios da persuasão comercial, "mas ao invés de dar ao público o que ele
quer, sugere-lhe o que deve querer ou deve acreditar que quer’.
Para Babin e Kouloumdjian, a observação do comportamento
e da linguagem das novas gerações atestam o surgimento de uma cultura
audiovisual, defendendo que se deve, em virtude dessa nova realidade, criar uma
educação audiovisual. As novas gerações nasceram neste novo meio. A cultura
audiovisual é "intrinsecamente repleta de afetividade, de raciocínios
analógicos e de assaltos do inconsciente". Não se pode nela penetrar pela
análise lógica, nem rejeitá-la preconceituosamente, sob pena de aumentar a
distância e a falta de comunicação com os jovens. Os adultos e os professores
devem compreendê-la pela experiência da imersão e da exposição às novas
linguagens audiovisuais.
Descritos, superficialmente nesta síntese, um breve
contexto histórico e algumas perspectivas sobre a relação íntima entre
Televisão e Educação e Televisão e Esporte, caminhar no sentido de
aproximar-mos das considerações finais, se faz extremamente necessário.
Considerando com enorme pesar que, por motivos didáticos, aprofundamentos
riquíssimos não poderão ser pontuados devido a natureza desse texto. Dito isso,
prosseguimos com o autor: “Posso seguramente, além disso, antecipar que a nossa
interpretação do esporte na televisão não será definitiva nem única, mas a
melhor possível, à luz do que sabemos. É o que Ricoeur nos ensinou”.
Exemplos do tipo de linguagem usada na Televisão em
programas esportivos e análise:
Dinheiro e
violência são outras temáticas recorrentes. “Fulano” foi vendido por cinco
milhões de reais, o lutador de boxe irá faturar 50 milhões de dólares em uma só
luta, a renda da partida foi recorde, 105 mil "verdinhas" são as
"estrelas do espetáculo" na competição de surf, a seleção vencedora
da Liga Mundial de Vôlei recebeu um milhão de dólares, a lista dos atletas mais
bem pagos do ano - 60 milhões de dólares, 33 milhões de dólares... Faltas violentas
no futebol, briga de torcidas ou agressões ao árbitro em qualquer esporte são
notícias obrigatórias.
A falação também
introduz a linguagem tecnológica e científica ao grande público: o salto com
vara é "a transferência da energia cinética acumulada na vara"; o
"teste do lactato sangüíneo" serve "para medir o limiar
anaeróbico" - novas palavras na terminologia do futebol.
Notícias sobre o
desempenho de atletas e seleções brasileiras têm também grande destaque.
Contudo, conteúdos como o nacionalismo, ou o racismo, aparecem subordinados às
funções de criar expectativa, polêmica e rivalidade, e não como conteúdos que
tenham valor por si próprios. Ao referir-se à "tradicional rivalidade
sul-americana", quando jogam Brasil e Argentina, o objetivo não é, apenas,
despertar o nacionalismo, mas criar a expectativa de uma partida emocionante.
Num programa esportivo, o jornalista, entrevistando um jogador negro, levantou
a hipótese de que seu time foi campeão devido à presença de muitos negros na
equipe, o que, retrospectivamente, teria sido fator de vitórias na história do
clube. O racismo, é claro, entra como conteúdo, mas a principal função é criar
polêmica, instigar o debate, prender a atenção do telespectador.
A falação expõe
discursos de duplo padrão moral. No jogo da seleção, o centroavante brasileiro
fez um gol com auxílio do braço, e o locutor agradeceu ao árbitro peruano:
"Muchas gracias [nome do árbitro]! Gracias hermano!" O jogador
declarou em entrevista ao telejornal do horário nobre: "o artilheiro tem
que fazer gol de qualquer jeito, não importa". É a mesma falação que
condena a violência, o doping, o suborno...
Já que em nossa sociedade o grau de controle sobre as
conexões naturais extra-humanas é muito maior que o das conexões sociais
inter-humanas, as ciências naturais desenvolveram-se mais e com maior
velocidade que as ciências sociais. Uma conseqüência desse fenômeno é que,
quanto menos sujeita ao controle humano está uma esfera concreta de
acontecimentos, tanto mais emocional e carregada de fantasias tende a ser a
idéia que dela temos, o que nos torna menos capazes de construir modelos das
conexões mais adequadas ao objeto e, portanto, de controlá-la. Assim, a
aceleração do tempo das mudanças tecnológica e social aumentou as incertezas e
os temores das pessoas.
A televisão e o esporte são terrenos perigosos e
incertos para a educação. Por que deveriam merecer a atenção da Educação
Física? De Novaski a Flusser, de Morais a Eco, de Elias a Babin e Kouloumdjian,
encontramos a mesma conclusão: o educador deve "ousar riscos", deve
"apostar" e ter esperanças...
O educador
precisa, pois estar atento à contemporaneidade, com o que ela comporta de
anseios, determinações e possibilidades, e a ela deve responder com uma
filosofia, o que significa também viver uma filosofia, engajála no cotidiano,
fazê-la presente na história. Deve perscrutar as origens dos sentidos iniciais
que atribui às coisas - há as ideologias, há o inconsciente - e entregar-se à
paixão pelo possível - os projetos - que são uma instância dos sentidos que
estão por vir: "pois pelo menos uma parte do real é a realização de
possibilidades antecipadas pelo projeto e pela decisão humana".
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa apresentação,mostrando domínio sobre o assunto! Entre as questões discutidas,a discriminação sofrida pela Educação Física em relação à sua grade,já que muitos acreditam que a educação física é somente esporte. Thiago deixou claro a importância de trabalhar esporte x jogos cooperativos e lúdicos.
ResponderExcluirComo você enxerga a supervalorização do tema esporte pela midia ? Seria de carácter possitivo para educação física ter essa supervalorização ou negativa ? Pelo fator de limitar o pensamento popular que a educação física é esporte.
ResponderExcluirConfesso que foi o livro que mais me chamou atenção, muito bem abordado pelo aluno Thiago. Um ponto a se destacar é a participação da mídia nos esportes atualmente, tanto é que a partir de 2019 a emissora detentora dos direitos do campeonato brasileiro (Globo) proibirá os clubes a fazerem suas próprias filmagens, acabando com os bastidores dos clubes no Youtube.
ResponderExcluirO aluno apresentou o conteúdo da obra de forma clara e objetiva, demostrando domínio e entendimento sobre o assunto. Através de sua apresentação foi possível identificarmos a influência da mídia nos esportes, muitas das vezes de forma negativa.
ResponderExcluirJusto o que eu procurava sobre janelas de vidro. Obrigada!
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