No
caso do que chamamos de Idade Média, foi o século XVI que elaborou tal
conceito. Ou melhor, tal preconceito,
pois o termo expressava um desprezo indisfarçado em relação aos séculos
localizados entre a Antigüidade Clássica e o próprio século XVI. Este se via
como o renascimento da civilização greco-latina, e portanto tudo que estivera
entre aqueles picos de criatividade artístico-literária (de seu próprio ponto
de vista, é claro) não passara de um hiato, de um intervalo. Logo, de um tempo
intermediário, de uma idade média.
Portanto,
o sentido básico mantinha-se renascentista: a “Idade Média” teria sido uma
interrupção no progresso humano, inaugurado pelos gregos e romanos e retomado
pelos homens do século XVI. Ou seja, também para o século XVII os tempos
“medievais” teriam sido de barbárie, ignorância e superstição. Os protestantes
criticavam-nos como época de supremacia da Igreja Católica. Os homens ligados
às
poderosas
monarquias absolutistas lamentavam aquele período de reis fracos, de
fragmentação política. Os burgueses capitalistas desprezavam tais séculos de
limitada atividade comercial. Os intelectuais racionalistas deploravam aquela
cultura muito ligada a valores espirituais.
Completada
essa síntese, a Europa católica entrou em outra fase, a Alta Idade Média
(meados do século VIII-fins do X). Foi então que se atingiu, ilusoriamente, uma
nova unidade política com Carlos Magno, mas sem interromper as fortes e
profundas tendências centrífugas que levariam posteriormente à fragmentação
feudal. Contudo, para se alcançar essa efêmera unidade, a dinastia Carolíngia
precisou ser legitimada pela Igreja, que pelo seu poder sagrado considerava-se
a única e verdadeira herdeira do Império Romano. Em contrapartida, os soberanos
Carolíngios entregaram um vasto bloco territorial italiano à Igreja, que desta
forma se
corporificou
e ganhou condições de se tornar uma potência política atuante. Ademais, dando
força de lei ao antigo costume do pagamento do dízimo à Igreja, os Carolíngios
vincularam-na definitivamente à economia agrária da época.
Graças a esse temporário encontro de
interesses entre a Igreja e o Império, ocorreu uma certa recuperação econômica
e o início de uma retomada demográfica.
Iniciou-se
então a expansão territorial cristã sobre regiões pagãs — que se estenderia
pelos séculos seguintes — reformulando o mapa civilizacional da Europa*. Por
fim, como resultado disso tudo, deu-se a transformação do latim nos idiomas
neolatinos, surgindo em fins do século X os primeiros textos literários em língua
vulgar. Mas a fase terminaria em crise, devido às contradições do Estado
Carolíngio e a uma nova onda de invasões (vikings, muçulmanas,
magiares).
No
essencial, do ângulo econômico, os séculos IV-X podem ser considerados em
bloco. Caracterizou-os aquilo que Renée Doehaerd chamou de “escassez endêmica”
(42: 57). Ou seja, uma pequena produtividade agrícola e artesanal,
conseqüentemente uma baixa
disponibilidade
de bens de consumo e a correspondente retração do comércio e portanto da
economia monetária.
Geralmente
bastante extenso, o domínio não era contudo caracterizado por seu tamanho,
muito variável no tempo e no espaço, mas por sua estrutura de funcionamento.
Esta girava em torno da divisão da área em duas partes. A primeira, chamada na
época de terra indominicata (ou de reserva senhorial
pelos historiadores), era explorada diretamente pelo senhor. Ali estavam sua
casa, celeiros, estábulos, moinhos, oficinas
artesanais,
pastos, bosques e terra cultivável.
A
segunda parte era a terra mansionaria, ou seja,
o conjunto de pequenas explorações camponesas, cada uma delas designada pelos
textos a partir do século VII por mansus. Cada
manso era a menor unidade produtiva e fiscal do domínio. Dele uma família
camponesa tirava sua subsistência, e por ter recebido tal concessão devia
certas prestações ao senhor. Os mansi serviles,
ocupados
por escravos, deviam encargos mais pesados que os mansi ingenuiles,
possuídos
por camponeses livres.
Mas
essa prática revelou-se insuficiente para superar a fraqueza estrutural do
Império Carolíngio, o que levou em 843 à sua fragmentação por meio do Tratado
de Verdun, assinado entre três netos de Carlos Magno.
A
Igreja, por sua vez, tornou-se claramente uma personalidade política desde que
se corporificou com a Doação de Pepino. Isto é, ao receber do chefe franco em
754-756 os territórios que ele conquistara aos lombardos, nascia o Estado
Pontifício. Contudo, tal fato trazia em si uma submissão implícita da Igreja ao
poder monárquico, de quem recebia aquelas terras. Contra isso é que se forjou o
documento conhecido por Doação de Constantino. Por este texto apócrifo, o
imperador romano Constantino teria supostamente transferido para o papado, no
século IV, o poder imperial sobre todo o Ocidente. A questão ficava, dessa
forma, invertida: Pepino nada estaria doando à Igreja, mas apenas restituindo a
ela uma parte do que lhe pertencia. Aliás, o próprio território do reino franco
seria da Igreja por desejo expresso de Constantino, de maneira que Pepino (como
todos os reis) governava tão-somente como representante dela.
Referências
A Idade Média-Nascimento do Ocidente autor:Hilário Franco Júnior,editora brasiliense.
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